07/10/2017

Nas lutas, conquistas e perspectivas, povo Deni resiste e celebra sua história


Indígenas da região de Tefé têm realizado encontros de formação, entre eles a Assembleia Deni. Crédito: Lygia Kloster Apel/Cimi

Por Fábio Pereira, Agente de Pastoral do CIMI

Nos dias 20 a 23 de setembro, a aldeia Itaúba, no Rio Xeruã, em Itamarati, Amazonas, recebeu a XII Assembleia da Associação dos Povo Deni do Rio Xeruã, (ASPODEX). Estavam presentes mais de 200 indígenas das aldeias Deni (04) e Kanamari (03), e seus convidados, a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Com o tema “Nas lutas, conquistas e perspectivas, o Povo Deni na resistência celebra sua história”, a Assembleia se caracterizou como um momento de celebrar a vida e construir a memória da sua história para fortalecer e unificar o movimento indígena local e a organização interna do povo. Também para fortalecer as lideranças e as parcerias com instituições governamentais e da sociedade civil, dialogando e propondo ações efetivas para a implementação de políticas públicas, que concretizem seu plano de vida, com autonomia e valorização do seu modelo tradicional de organização.

Dentre as temáticas discutidas nos dias de atividades destacam-se a conjuntura da política indigenista assumida no país. Não é mais suportável os ataques aos direitos indígenas que as políticas nacionais têm empreendido sobre os povos originários. “É preciso unir forças e saberes indígenas e indigenistas para enfrentar esses ataques”, dizem as lideranças indígenas e os assessores do CIMI, presentes na assembleia.

Construindo a memória da história

O processo de construção da memória da história dos povos Deni se estruturou em três temáticas, nas quais as lideranças indígenas destacaram os desafios que enfrentam, as conquistas que alcançaram e as perspectivas que têm pelo seu projeto de vida: 1ª Memória. Nossa luta pela Terra, que procurou reviver a luta pela demarcação e pela homologação da terra indígena Deni; 2ª Memória. Educação. É preciso fortalecer o jeito próprio dos Deni educar suas crianças, pois ela é um instrumento de transformação que garante a continuidade da cultura e da vida Deni; 3ª Memória. Saúde. Nesse momento foi feito um relato dos desafios enfrentados pelo povo para a efetivação do direito à saúde indígena.

Mineração: a ameaça chega para os Deni

Uma das ameaças sobre os territórios indígenas da região do médio rio Juruá, nas proximidades da Terra Indígena Deni, é a mineração. Durante a assembleia, notícia de que já existem dois requerimentos de exploração de minérios nesta região junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNMP), levantou a indignação dos indígenas que se manifestaram com fervor. O líder Misiha Bukure Deni, procurou aliviar a tensão gerada pela surpresa da notícia dizendo que “é preciso proteger nossa terra, precisamos ter calma para fazer algo para defender nossa terra. Tamaku Kira está conosco, Ele nos protege”.

Da mesma forma, o presidente da ASPODEX, Marizanu  Makhuvi Deni, enalteceu a sabedoria indígena: “Juntos vamos trabalhar para que possamos lutar por nosso território. Vamos dar continuidade no diálogo com aqueles que ‘apoiam nós’. Hoje estamos tendo respeito, temos força com os indigenistas parceiros. Sem medo, vamos trabalhar em parceria e unidos”, ressaltando a importância do povo Deni assinar a Nota de Repúdio lançada por organizações indigenistas. “Vamos somar nosso nome nesse Documento que foi assinado por outras organizações contra a mineração”, conclamou Marizanu.

A força das mulheres e dos jovens Deni

Com suas pinturas, colares e com discursos fervorosos, as mulheres indígenas Deni tiveram uma expressiva participação na assembleia. Mostraram que o dinamismo da cultura proporciona às mulheres um espaço cativo de participação nas discussões, proposições e decisões sobre as melhorias da vida do Povo Deni.

Também a juventude Deni tem seu espaço de participação visto como um dos mais importantes. Seu envolvimento, organização e o despertar na formação de novas lideranças para a continuidade da luta, são demonstrados durante as discussões e na própria composição da diretoria da associação. A maioria dos diretores da ASPODEX são jovens, decididos e atuantes. Em três aldeias Deni existem grupos de jovens organizados, motivando e integrando outros jovens no espírito de liderança. A assembleia elegeu a nova diretoria da associação para o mandato dos próximos dois anos e a presidência ficou com o jovem Pha’avi Hava Deni.

Poder público: ausente!!

Secretarias de políticas públicas do município de Itamarati e o poder legislativo foram convidados, mas nenhum compareceu. Essa ausência provocou revolta e discursos inflamados de lideranças indígenas durante as plenárias. O líder Umada Kuniva Deni disse que “muitas questões relacionadas à saúde precisam também da participação do poder público e cadê a responsabilidade pública? A prefeitura nunca contrata ninguém, só contrata durante período de campanha”. Com essa constatação, Umada ressalta a importância de eleger representantes indígenas para compor a bancada de vereadores. “É importante ter representantes indígenas no poder público municipal para propor e cobrar a efetivação das melhorias para o povo”, reforça Umada, entendendo que os gestores públicos têm sua importância para a construção de políticas que tragam e efetivem melhorias para o povo, a partir das suas demanda e necessidades.

Documentos reivindicando ações e respeito foram elaborados

As produtivas discussões das plenárias resultaram na elaboração de documentos para serem encaminhados para os órgãos competentes. A tarefa de escrever e organizar os documentos ficou para a nova diretoria da ASPODEX e os professores e estudantes indígenas, que encaminharão aos órgãos competentes. Para a Secretaria Municipal de Educação (SEMED), o documento a ser encaminhado é o pedido de informações sobre o valor do recurso destinado à compra de merenda escolar para as aldeias Deni e Kanamari. Também para a SEMED e para a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas será solicitado que se abram cursos de formação para professores indígenas. Para a FUNAI, Prefeitura Municipal de Itamarati e Ministério Público Federal será encaminhado documentos que digam NÃO à exploração de minérios na região. Para a FUNAI será solicitada a limpeza da picada que demarca a terra indígena e a instalação de uma Coordenação Técnica Local em Itamarati. E as melhorias na saúde indígena serão solicitadas em documento que reivindica para o Conselho Distrital de Saúde Indígena, CONDISI, e para o Distrito Sanitário Especial Indígena, o DSEI.

Recontar a história é resistir com a força da cultura

A memória de um passado de exploração e de incertezas, mas também de conquistas e de perspectiva de vida de um povo que resistiu com a força da cultura e de seus antepassados, foi construída na assembleia do povo Deni, do Rio Xeruã. Mostraram o poder da união e na fé de que é possível vencer os banzeiros da vida. Hoje, uma nova história é contada e construída sendo eles os protagonistas. A esperança que despertam quando estão unidos é reconhecida por todos e todas presentes.

As discussões e os posicionamentos do Povo Deni, que receberam o apoio do povo Kanamari, mostra o poder de articulação e a busca pelo empoderamento de outras forças e conhecimentos. Assim conseguem defender e cobrar a efetivação de seus direitos que ainda são negados por um Estado que oprime e violenta aqueles que ousam lutar pelo direito a vida.

Contudo, num contexto desafiador, de ataques aos seus direitos, mas organizados em suas bases, os povos indígenas seguem fortalecendo suas redes de aliados, se contrapondo a um sistema político corrupto e falido, que mercantiliza o sagrado, a mãe natureza, e põe em risco sua integridade física e cultural. Ousam em dizer SIM à VIDA, à TERRA e ao BEM VIVER DOS POVOS (FORA TEMER!!).

Fonte: Por Fábio Pereira, Agente de Pastoral do CIMI
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