12/11/2017

Indígenas que permanecem na Funai de São Luís (MA) podem sofrer despejo em sentença destinada ao prédio do Incra

Na manhã deste sábado, 11, um aviso de reintegração de posse foi levado por agentes da Polícia Federal aos indígenas. No entanto, despejo é destinado ao prédio do Incra; o acampamento está na Funai

Foto: Renato Santana/Cimi

Por Renato Santana/Ascom

Os indígenas que permanecem na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em São Luís (MA), à espera da publicação da Portaria de criação do Grupo de Trabalho para a Identificação e Delimitação da Terra Indígena Akroá-Gamella, foram surpreendidos na manhã deste sábado, 11, por um aviso de reintegração de posse levado por agentes da Polícia Federal. A ordem, de acordo com Kum’tum Akroá-Gamella, é para ser cumprida no prédio do Incra, que não está ocupado ou interditado pelos indígenas – desde o final da tarde de quinta-feira, 9, os portões estão liberados. Por essa razão, ninguém assinou o ofício de comunicação do despejo.  

Os órgãos federais possuem sedes distintas, mas estão num mesmo endereço. Isso não explica uma possível confusão. A reintegração foi uma promessa da Superintendência do Incra do Maranhão feita realizada na tarde de terça-feira, dia em que os indígenas fecharam os portões do complexo – protesto realizado até o final do expediente (18 horas). O superintendente do Incra, George Aragão, afirmou em entrevistas à imprensa que pediria à Advocacia-Geral da União (AGU) providências judiciais pelo despejo.

“Desde quinta-feira, depois da segunda rodada de negociações com a Funai, nós liberamos o portão de acesso. Cumprimos nossa palavra tão logo nossa pauta teve algum avanço. Na sexta os funcionários do Incra não entraram porque não quiseram. Decidimos permanecer na Funai porque desejamos voltar para o nosso território com a portaria publicada, mas está tudo aberto e estamos aqui na casa de todo indígena”, explica Kum’tum Akroá-Gamella.

Permanecem na sede da Funai indígenas Akroá-Gamella, Krenyê e Tremembé. O ambiente é de tranquilidade e o acampamento está restrito ao pátio do órgão federal. Em harmonia com os indígenas, seguranças particulares controlam a entrada e a saída de pessoas. “Nos assustou porque não ocupamos o Incra. Não há nenhum crime em ficar aqui esperando por um trabalho que a Funai está fazendo em Brasília. Logo que a portaria seja publicada, voltamos pra casa”, afirma Diassis Akroá-Gamella.

O presidente da Funai, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas, disse aos Akroá-Gamella que trata como irrevogável a decisão pela publicação do GT no Diário Oficial da União (DOU). Dos demais pontos que motivaram a mobilização de ocupação da sede do órgão indigenista, apenas a criação de um Núcleo de Direitos Sociais, atrelado à Frente de Proteção Etnoambiental Awá, foi atendido para acompanhar de perto os povos do norte do Maranhão – entre eles, os Akroá-Gamella e Tremembé.

“Quem pediu a reintegração, ou acha que não deveríamos estar aqui (na sede da Funai), não sabe da importância de voltarmos para o nosso território com essa portaria. No dia 30 de abril de 2017 sofremos um massacre. Aqui estão parentes que levaram tiros, tiveram as mãos decepadas, pauladas e são xingados e ameaçados todos os dias. Não deveríamos explicar porque decidimos esperar aqui por essa portaria e o que ela representa pro nosso povo”, explica Maria Akroá-Gamella.

A decisão segue pela permanência na sede da Funai. De acordo com Kum’tum Akroá-Gamella, o grupo está convicto de que a reintegração não será cumprida por conta de se tratar no Incra. “Repito, estamos na Funai. Apesar dessa sede ser do Incra, ela está alugada para a Funai. Se eu alugo a minha casa para alguém, não posso entrar nela a hora que eu quiser ou retirar dela quem lá esteja. Queremos dizer que não sairemos daqui sem a publicação do GT”, diz.

Histórico  

Um grupo de 100 indígenas dos povos Akroá-Gamella, Krenyê, Tremembé da Raposa e Gavião ocuparam na madrugada de segunda-feira, 6, a sede da Funai em São Luís, capital do Maranhão. A pauta estava dividida entre demandas fundiárias e sociais. Na terça-feira, 7, sem quaisquer respostas do órgão indigenista, a mobilização trancou os portões do complexo de escritórios que além da Funai abriga as sedes do Incra e da Embrapa. O protesto ocorreu até o final do expediente, neste dia.

Na quarta-feira, 8, o presidente da Funai, em contato telefônico, informou aos indígenas que a coordenadora Regional do órgão no Maranhão, Eliane Araújo, se reuniria com eles para informar que o GT Akroá-Gamella seria publicado, entre outras providências. Sem consenso quanto ao levado pela coordenadora, os indígenas fizeram uma série de solicitações para o encaminhamento do acordo. No dia seguinte, à tarde, uma nova reunião foi realizada e um documento foi definido.   

Apenas o Núcleo de Direitos Sociais e a criação do GT Gamella foram contemplados, mas as demais demandas acabaram movimentadas no interior da Funai – o que gerou frustração, sobretudo entre os Krenyê e os Tremembé, mas indicou, conforme os indígenas, que o caminho seguirá sendo o da mobilização. “Da nossa parte então decidimos ficar porque só vamos ficar completamente satisfeitos com o GT publicado. Precisa estar nas nossas mãos. Foram muitas palavras não cumpridas”, destaca Mandioca Akroá-Gamella.

As demais pautas

De acordo com decisão judicial, o órgão indigenista está obrigado a adquirir uma terra ao povo Krenyê, que hoje vive sobre um hectare, no município de Barra do Corda, passando por severas privações de água e alimentação. A área escolhida foi periciada e o proprietário está de acordo em vendê-la. Todavia, a Funai não realizou a compra e o presidente afirmou que não há recursos para efetivar a transação – o custo seria de 14 milhões. Tampouco houve um indicativo se no orçamento de 2018 entrará a despesa.

Sobre o fornecimento de cestas básicas aos Krenyê, que também conta com determinação da Justiça Federal desde 2012, a Funai alegou que o Ministério do Desenvolvimento Social sofreu cortes de verbas pela atual gestão do governo federal e está inviabilizada de fazer os envios. Todavia, informou que as tratativas seguem em curso, mas sem estabelecer nenhum prazo para a regularização da chegada das cestas ao povo que não consegue plantar por falta de água e, sobretudo por não ter terra.   

O órgão indigenista se comprometeu a abrir o processo administrativo para a regularização fundiária do povo Tremembé da Raposa. O município onde estão alojados estes indígenas, Raposa, fica na Ilha de São Luís. Os Tremembé, de acordo com documentos históricos que datam do período da colonização, sempre tiveram o costume de circular pelas terras do Maranhão a partir Ceará, da região de Almofala, onde há uma terra indígena do povo. Um dos núcleos familiares Tremembé se instalou de forma definitiva em Raposa pouco antes da década de 1950.  

Por essa razão, o número de indígenas em Raposa cresceu e hoje não é estipulado porque o receio de se assumir Tremembé pode colocá-los como vítimas de preconceito. “Mas nos organizamos e hoje lutamos por um território. Crescemos na cultura e queremos seguir com ela, a praticando sobre um chão sagrado. Desde 2003 estamos nessa luta. Em 2014 tivemos um reconhecimento enquanto povo e agora queremos avançar mais”, explica Rosa Tremembé. A Funai afirma que tomará providências para a realização da qualificação de demanda e, em seguida, iniciará o processo de identificação.  

Como grandes empreendimentos estatais e privados têm acossado terras indígenas no Maranhão, um outro ponto da pauta é o direito de consulta, expresso no artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No caso Akroá-Gamella, por exemplo, a Eletronorte pretende passar linhões de energia sobre o território do povo. A Funai, por sua vez, garantiu que apoia o direito de consulta e fará gestão nesse sentido junto ao Estado brasileiro.

Fonte: Ascom/Cimi
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