01/06/2018

Em Ilhéus, povo Tupinambá protesta por demarcação e contra o Parecer 001 da AGU

O cacique Ramon Tajibá Tupinambá afirma que “já são quase 10 anos de enganação contra o nosso povo. O relatório de identificação atendeu todas as exigências do processo de demarcação regulamentado pelo Decreto 1775/96″

 

Povo Tupinambá durante protesto no centro de Ilhéus: “Nossa história não começa em 1988”. Foto: Haroldo Heleno/Cimi

Por Haroldo Heleno, Cimi Regional Leste – Equipe Sul da Bahia

 

Indígenas do povo Tupinambá de Olivença se manifestaram nesta quarta-feira, 29, em Ilhéus (BA), solicitando  agilidade no processo de regularização do seu território. Com o mote “Território Tupinambá de Olivença – DEMARCAÇÃO JÁ!!!” e demonstrando contrariedade ao Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU).

Aproveitaram também para denunciar a proposta apresentada pelo deputado federal e empresário Sérgio Brito (PSD/BA) que transforma a Resex de Canavieiras em Área de Proteção Ambiental (APA), por intermédio do Projeto de Lei 3068/15. O PL beneficia os empresários da carcinicultura que colocam em risco toda a biodiversidade dos mangues e o trabalho dos pescadores artesanais e marisqueiras que hoje são protegidos pela Resex.

Os Tupinambá saíram da Vila de Olivença, na parte da manhã, e interditaram a ponte Lomanto Júnior, que liga o Centro de Ilhéus ao Pontal. Em seguida a manifestação fechou a Praça Cairu seguindo pelo calçadão da cidade e realizando mais dois atos: na Câmara de Vereadores e encerrando as atividades com um grande ritual em frente ao Paço Municipal.

O cacique Ramon Tajibá Tupinambá afirma que “já são quase 10 anos de enganação contra o nosso povo. O relatório de identificação atendeu todas as exigências do processo de demarcação regulamentado pelo Decreto 1775/96, todas as contestações foram feitas, não existe mais nenhum empecilho para que o nosso território seja demarcado, a não ser a vontade política”.

Para a cacique Jamapoty Tupinambá a demora na regularização do território só tem trazido miséria para o povo, mortes de parentes, perseguição das lideranças. “Eu mesma já fui presa por defender meu povo e até hoje sofro com perseguições por conta da nossa luta pela demarcação do território. E toda vez que vamos reivindicar que o nosso direito seja respeitado e as definições sejam cumpridas só ouvimos promessas e mais promessas e nada de resolver o nosso problema, que é a devolução da nossa terra”, enfatiza a cacique.

“Já são quase 10 anos de enganação contra o nosso povo. O relatório de identificação atendeu todas as exigências do processo de demarcação regulamentado pelo Decreto 1775/96″, diz cacique Ramon Tupinambá

Parecer 001: o Parecer Antidemarcação  

A manifestação também denunciou e pediu a imediata anulação do Parecer 001/2017 da AGU, aprovado pelo presidente Michel Temer em julho de 2017. Ele estabelece que a administração federal siga, em todos os processos de demarcação de terras indígenas, as condicionantes definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (PET 3388) e o marco temporal – tese segundo a qual só poderiam ser demarcadas as terras sob posse dos povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Para o cacique Valdenilson Oliveira, a postura do governo federal mostra sua posição anti-indígena a serviço da bancada ruralista: “Nós chamamos este Parecer de “Paracé”, pois é isto, que ele é. A nossa história não começa em 1988, o próprio Ministério Público Federal (MPF) e o STF já afirmaram que as condicionantes não se estendem a outras situações, mas eles querem empurrar isto de qualquer jeito. O nosso relatório já foi devolvido várias vezes à Funai tentando usar estes argumentos e sempre é devolvido ao Ministério da Justiça para que seja assinado, pois as condicionantes não se aplicam sobre o nosso caso e não existe mais nenhum impedimento para a sua assinatura”.

“O Supremo Tribunal Federal já decidiu, por reiteradas vezes, no sentido de que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol não se aplicam a outras demarcações”, afirma nota técnica do MPF, “de modo que é incabível a tentativa de atribuir eficácia vinculante a fragmentos do acórdão da Pet. 3.388”. O órgão ainda afirma que a aplicação das condicionantes da Raposa Serra do Sol “de modo acrítico” implica “paralisia das demarcações de terras indígenas, gera riscos e insegurança jurídica de revogações de atos já constituídos, além de potencializar conflitos entre índios e não-índios”.

Em sua manifestação, o MPF aponta que o parecer da AGU é “inválido e inaplicável”, na medida em que viola a Constituição, tratados internacionais e entendimentos do próprio STF e ultrapassa os “limites meramente interpretativos de um parecer”

 

Povo Tupinambá contra o fim da Resex Canavieiras, em solidariedade aos pescadores e marisqueiras. Foto: Haroldo Heleno/Cimi

Um PL para acabar com a Resex

A manifestação ainda incluía na sua pauta a denúncia contra o PL 3068/2015 que está sobre consulta pública no site da Câmara dos Deputados. Quando você abre o link aparecem duas opções: “concordo ou discordo”. Ao clicar em “saiba mais” o texto diz: “O PL dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental de Canavieiras”. Parece completamente inofensivo, mas tem uma armadilha. O texto não explica que essa área já é uma Resex. Assim, se você clicar “concordo” com a criação da APA estará concordando com a extinção da Resex; o acesso ao texto do PL só acontece depois de você votar. Além disso, a votação está desigual porque os pescadores não acessam a internet. A pressão sobre os pescadores está forte, lideranças estão sendo ameaçadas nas ruas, políticos incitam o ódio contra os moradores e a Resex.

As lideranças decidiram incluir estas denúncias contra o PL 3068/2015, pois ele também afeta a luta dos Tupinambá. Os caciques Ramon e Valdenilson informaram que a manutenção da Resex, onde vivem muitos indígenas, vai de encontro a dois grandes interesses econômicos: a expansão das fazendas de camarão de espécie exótica, que destroem e contaminam os manguezais, e a especulação imobiliária, incentivada pelas prefeituras, que pretende transformar a beira-mar em resorts privados.  

Solidariedade e luta

Os indígenas ainda aproveitaram para se solidarizar com o protesto dos caminhoneiros e repudiar o discurso de intervenção militar que tem sido feito pelos “infiltrados de Bolsonaro” nas manifestações, além da clara tentativa da imprensa oficial, capitaneada pela Rede Globo, de colocar a sociedade contra as justas e necessárias reivindicações. Para o cacique Suçuarana Tupinambá “a luta que hoje completa oito dias é a mesma coisa da nossa luta, pois eles os caminhoneiros estão exigindo que os direitos sejam respeitados e cumpridos e não é justo que a exploração continue, este é um governo ilegítimo e contrário aos direitos dos trabalhadores, dos indígenas, dos quilombolas, dos camponeses. Vale salientar que estamos apoiando e se solidarizando com os grevistas que reivindicam estes direitos, e não aqueles que estão se aproveitando do movimento para reivindicar mais vantagens para os empresários e patrões e repudiamos todos aqueles que seguem e divulgam ideias do Bolsonaro”.

 

Fonte: Cimi Regional Leste - Equipe Sul da Bahia
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