07/07/2018

Comunidade indígena do Paraná cria sistema 100% livre de transgênicos e agrotóxicos

Produção agroecológica é símbolo de resistência em Terra Indígena. A iniciativa busca recuperar a floresta degradada e o sistema tradicional de produção baseado na ancestralidade do povo Guarani

Por  Julio Carignano, no Brasil de Fato
Texto publicado em Agosto de 2017

Situada no município de Tomazina, no Norte Pioneiro do Paraná, a Terra Indígena Pinhalzinho – comunidade onde vivem cerca de 160 indígenas Guarani – se consolida em um espaço de resistência na região que abriga a maior quantidade de latifúndios do Estado e caracterizado pela monocultura, pela produção mecanizada e pelos altos índices do consumo de agrotóxicos.

Com o objeto de recuperar a floresta degradada e o sistema tradicional de produção baseado na ancestralidade, a comunidade Guarani Ñandeva, que habita o território de aproximadamente 600 hectares, criou um sistema agroecológico focado na sustentabilidade e na produção 100% livre de transgênicos e agrotóxicos.

Desde 2011 é realizada na Terra Indígena a Feira de Sementes Crioulas e Mudas Nativas de Pinhalzinho. Realizado em parceria como o Instituto Federal do Paraná (IFPR), o evento nasceu da necessidade de recuperar sementes tradicionais consideradas sagradas para o povo Guarani.

Em 2017, a feira apresentou a diversidade da produção de sementes; com variedades de milho, feijão, arroz, amendoim e também a produção de tubérculos e ramas como mandioca, batata doce, inhame. “Eu aprendi a guardar sementes com meu pai, que aprendeu com o pai dele. Desse jeito sempre tinha, não preciso comprar sementes, consigo manter a qualidade e posso ajudar outros doando ou trocando as sementes”, diz o guarani Orlando Albino Gabriel.

Resistência 

Para compreendermos o significado da Feira para os indígenas é necessário uma retomada do processo histórico da TI Pinhalzinho. Território demarcado em 1986 pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Tekoha tem o DNA da resistência.

Sebastião Mario Alves, cacique da TI Pinhalzinho, explica que os indígenas tiveram um longo trabalho de retomada da produção tradicional. A terra foi alvo de conflitos mesmo após a demarcação devido a invasão de posseiros que criavam gados. “Participei do grupo de resistência que expulsou o último posseiro que aqui morava. Os grileiros impediam que nós tivéssemos acesso a parte de nossa terra demarcada. Fomos perdendo o direito de uso e nossa riqueza cultural, sobretudo a alimentar”.

Até a retirada dos posseiros, a comunidade tinha reduzida a possibilidade de praticar o sistema agrícola tradicional, uma produção que está intimamente ligada ao aspecto de organização social e cosmologia do Povo Guarani na busca da chamada “terra sem mal”. “Nossa proposta é a recuperação de nossa floresta, da manutenção e preservação de sementes fundamentais para garantia da soberania alimentar e o fortalecimento cultural e religioso de nosso povo”, explica Reginaldo Alves, filho do cacique Sebastião e coordenador da feira.

Agrofloresta

A TI Pinhalzinho também se tornou uma referência do sistema de agroecologia por meio do projeto de agrofloresta desenvolvido pela comunidade e a Escola Estadual Indígena Yvy Porã, um sistema de produção baseado no manejo sustentável de recursos florestais, como madeira, cipós, palhas, remédios e também na produção de alimentos para a fauna.

No espaço se desenvolve o projeto Yvy Marae’y, que tem como referência como referência o pesquisador Ernest Gotsh. “O termo agrofloresta é um termo novo para uma prática antiga já utilizada pelos nossos ancestrais. É uma forma de trabalharmos a terra, aproveitando pequenos espaços, produzindo diversas culturas e fazendo a recuperação e conservação do solo”, explica Jefferson Gabriel Dominguez, diretor da escola indígena.

“As sementes crioulas são símbolo de resistência, elas resistiram ao contato com outras sementes, a adversidades, aos ataques do agronegócio”

O próximo passo da comunidade escolar será a elaboração de um banco de dados e uma biblioteca de sementes produzidas na terra indígena. “As sementes são um movimento de resistência do nosso território, resistem assim como nosso povo”, acrescenta Jefferson.

Marco temporal

A Feira de Sementes Crioulas e Mudas Nativas também foi uma oportunidade das lideranças Guarani de comunidades do Norte Pioneiro fazerem debates sobre o atual momento de ofensiva aos povos tradicionais e a atual ameaça do Marco Temporal, tese político jurídica que estabelece que só teriam direito à demarcação os povos que estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

A tese ignora o histórico de remoções forçadas e outras violências sofridas ao longo de séculos pelos povos indígenas. “Nunca fomos prioridade para o Estado, toda conquista e avanço do nosso povo se deu com muita luta e enfrentamento, porém a atual conjuntura é preocupante, pois hoje temos inimigos dos direitos indígenas também no Judiciário”, comenta Marciano Rodrigues, liderança Guarani e coordenador geral da Associação dos Povos Indígenas da Região Sul do Brasil (Arpin Sul).

Edição: Ednubia Ghisi

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